Não há Google que resista à confusão toponímica da cidade, com as denominações dadas aos nossos logradouros que confundem Correios, empresas de entregas, mototaxistas de deliveries e todos não ambientados com a balbúrdia urbanística. É muito comum encontrar-se, no mesmo bairro, várias ruas 1, 2 e 3 e travessas idênticas com nomes de políticos de grande ou nenhuma expressão, repetidamente. Essa zorra tem que acabar para ficar mais fácil transitar em São Luís.
Haroldo Tavares, o prefeito que deu cara nova à cidade, lançou na época o Projeto Mirante, iniciativa pioneira de atração aos encantos do nosso patrimônio cultural, histórico e arquitetônico que o Brasil pouco conhecia. Um dos primeiros atos para reverter esse quadro foi instaurar a Comissão de Toponímia da Capital, presidida pela professora Rosa Mochel e composta pelo engenheiro Luís Raimundo Azevedo, o professor e folclorista Domingos Vieira Filho, autor da obra “Breve história das Ruas e Praças de São Luís” e o economista Antonio Augusto Ribeiro Brandão, entre outros importantes especialistas do tema, com o propósito de promover uma revisão aos nomes dos lugares da cidade.
Com a conclusão dos trabalhos, o prefeito restaurou a volta os nomes originais das ruas que davam vida e faziam parte da cultura local. Nina Rodrigues, voltou a ser rua do Sol; José Bonifácio, para Afogados; Oswaldo Cruz, para rua Grande; Colares Moreira, para rua da Paz; Rodrigues Fernandes, para rua do Passeio (onde foi instalado o primeiro grande hospital municipal, o Pronto Socorro, o Socorrão); Afonso Pena, para a rua Formosa(onde funcionou o Bar do Cajueiro, sempre lotado, nas tardes de sexta-feira e fechando só no final da noite, e o palacete secular do jornal O Imparcial e a sede do Jornal Pequeno); Cândido Mendes, para rua da Estrela, e a que se tornou muito famosa, Celso Magalhães, rua do Vedor, local onde morou, por curto tempo, o mais premiado artista dos concursos de fantasia do Carnaval brasileiro e fundador do Baile de Gala do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Clóvis Bornay.
O excêntrico Bornay, atraído pela benesse municipal, circulou brevemente pela cidade. Chegou como convidado do jornalista e marqueteiro carioca Mário Morel, contratado pela prefeitura para tocar o Projeto Mirante, uma proposta vanguardista. Foi ideia dele, também, trazer parte da turma de O Pasquim, o jornal de humor mais censurado do país. Na comitiva, pesos pesados como Millôr Fernandes, Chico Buarque, Jaguar, Fortuna (cartunista maranhense radicado no Rio), Ziraldo, Miguel Paiva e grande elenco. Esbaldaram-se na Base do Germano e conheceram a Praia Grande (não existia o Reviver), nossa diversidade cultural e, é claro, as graciosas maranhenses e as biritas especiais da Casa das Tulhas. Foram ciceroneados por Haroldo Tavares, Luís Raimundo Azevedo, artistas plásticos como Jesus Santos e políticos criativos como Luís Papagaio. Foi um tremendo sucesso.
Voltando à rua do Vedor(cargo de funcionário público equivalente a inspetor da Fazenda Pública), com o tempo e a corruptela popular, foi transformada em rua dos Veados. Hoje, conserva o nome de Celso Magalhães, promotor público, jornalista e imortal da Academia Maranhense de Letras. Na vida jurídica se destacou por denunciar a esposa do Barão de Grajaú pela morte de dois escravos. Como era esperado, foi demitido do cargo pela ousadia cometida contra um membro da nobreza.
É importante nova mexida na toponímia da cidade. Nomes apostos às ruas têm que ser fortes e os homenageados com tal distinção devem fazer jus a honraria. Exemplos dignificantes partiram do político Epitácio Cafeteira, que, quando prefeito, renomeou em 1967, o bairro Matadouro para Liberdade, ato que levou dignidade e alegria aos moradores. O intelectual Ivan Sarney deu também sua contribuição para elevar o brio da comunidade. Quando era vereador deu um banho de cidadania ao transformar a rua da Malária, no João Paulo, em rua da Felicidade.
A cidade possui catálogo imenso de cidadãos ilustres à espera dessa deferência. Desde autoridades, advogados, políticos, jornalistas, médicos, escritores, poetas, engenheiros e notáveis de primeira grandeza, prontos para substituírem os endereços do tipo rua da Vala, quadra 11, casa 45, lote 25, ou as centenas de ruas projetadas. Grande parte do Renascença II possui no registro cartorial o nome de Loteamento Boavista. É preciso mudar, agora, antes que fique difícil solucionar essa situação.
Novos nomes precisam ser dados aos logradouros. Nada mais de rua do Arame, no Vinhais. Aliás, esse nome se consolidou após iniciativa do proprietário do imóvel Seu João Ribeiro cercar com arame farpado a propriedade para evitar invasões. Passados os anos, vendeu a área que se transformou no Cemitério do Vinhais.
Como não sou político, não me atrevo a sugerir ao prefeito, que, aliás, está tratando a cidade com carinho, ou aos vereadores desta nova legislatura da Câmara Municipal, a agilização dessa pauta, de grande relevância para a cidade. Um novo projeto toponímico é necessário, para facilitar a vida dos moradores e ajudar a localizar casas, prédios, padaria, quitanda ou farmácia.
A cidade cresceu. Precisa agora se humanizar, aproximar-se dos seus moradores e corrigir essas distorções para torná-la mais moderna e pronta para o futuro.
Antônio Nelson Faria
Jornalista