Não sou um uma pessoa supersticiosa mas evito passar debaixo de escada. Não gosto de atravessar na frente de gato preto, dando sempre preferência ao felino seguir seu curso. E, nas sextas-feiras, principalmente naquelas que caem no dia 13, saio de casa precavido, carregando no bolso simpatia herdada de meu pai, e que conservo como bem precioso. Ao entrar e sair de casa ou passar em frente a qualquer igreja, benzo-me, pedindo proteção e bons fluídos. Sou temente a Deus, protegido pelas minhas santas e santos prediletos, por minha saudosa mãe que, ainda, de vez em quando, me passa carão e pela Santíssima Trindade.
Minha vida religiosa começou quando fui apresentado ao mundo católico na pia batismal da Igreja de Sant’Ana, pelo médico Odorico Amaral de Mattos e sua esposa angelical Dona Helosine, meus padrinhos e Anjos da Guarda de primeira grandeza, protetores das crianças maranhenses. Nessa igreja fiz carreira. De aprendiz à coroinha. Em pouco tempo já me destacava carregando o turíbulo – o vaso utilizado para incensar o templo durante a celebração. Minha mãe e minha madrinha, que não perdiam as missas celebradas pelo Padre Pedro, pároco da igreja, ficaram orgulhosas com a minha ascensão a tão elevado posto.
O sacerdote italiano proferia eloquentes e objetivos sermões religiosos, duelando entre o bem e o mal. Após as missas das manhãs de domingo que não eram tão longas como as de hoje, o vigário exibia o filme água com açúcar “O Milagre de Fátima” para os frequentadores da igreja. De tanto assistir a fita, decorei as falas dos três jovens pastores Lúcia, Jacinta e Francisco, e quase sempre antecipava as cenas. Fiquei várias vezes de castigo pelo atrevimento em lugar sagrado.
Antes de mudar para a Igreja da Sé fui promovido a função de auxiliar das senhoras Filhas de Maria, únicas com autoridade para retirar as hóstias do sacrário, onde eram guardadas, para serem colocadas direto no cibório–cálice usado no momento da eucaristia. Era uma função tão importante que as vezes ensaiava com meus irmãos na nossa casa na rua José Augusto Corrêa, antigo topônimo da rua de Santana. O ilustre JAC, jornalista e membro da Academia Maranhense de Letras, depois de perder o posto no Centro, foi emprestar o nome a nova rua, se não me engano no bairro da Cohama.
Aprendi com a minha querida mãe rezar antes de dormir, hábito que aos poucos foi sendo aposentado. Mas, nas minhas orações aos meus bondosos guardiões, todos possuidores de longo atestado de milagres concebidos, sempre lhes rogo a proteção para nunca ser tratado por médico cubano. Dobro o pedido sempre que entro em novas igrejas onde se tem a concessão de nova rogativa ao santo padroeiro que intitula o templo. Porque a medicina que eles praticam em Cuba, qualquer pomadinha anti-inflamatória ou sebo de Holanda comprados na antiga farmácia do Espanhol, no João Paulo, resolve.
Quando garoto, eram comuns as novenas em louvor das Nossas Senhoras de Fátima, Conceição e Vitória que possuíam altar especial organizado lá em casa. Sempre à noitinha, um terço era rezado em homenagem à santa visitante. E, pelo que me lembro, a cerimônia era encerrada com chocolate cremoso Bhering, biscoito Champagne da Nestlé e deliciosos bolos preparados especialmente para o evento. As visitas das santas eram aguardadas com alegria.
A tradição foi mantida quando mudamos para a rua Joaquim Távora, hoje rua de Nazaré, renomeada por decreto do ex-prefeito Roberto Macieira, para rua de Nazareth e Odylo em homenagem ao poeta cronista e jornalista maranhense Odylo Costa, filho, e sua esposa. Ele foi membro das Academias Maranhense e Brasileira de Letras e o responsável pela maior reforma jornalística do país, realizada na sua gestão na redação do extinto Jornal do Brasil. Na nova residência passamos a frequentar a Igreja da Sé, local de evocação das grandes homílias do clero maranhense e onde ouvi pela primeira vez citação do Padre Antônio Vieira, nas palavras de Dom Motta. Lá, fiz a minha Primeira-Comunhão. Fui de terno de linho bege, corte de calça curta, devidamente confeccionado pelo alfaiate Emiliano, com ateliê na rua da Cruz. Só voltei a usar o traje na festa Branca da Maçonaria, ao lado da Igreja de São João, único evento da entidade secular que liberava o acesso à garotada, que era recomendada a não tocar nos doces e nos copos cheios de Cola Guaraná Jesus.
Nunca dei muita bola para cartomante, mágicos fenomenalistas, gurus sobrenaturais ou as premonições eletrônicas do vidente de meia-tigela, Walter Mercado, do “Ligue Djá”. Mas aprendi a respeitar e a admirar, através da convivência e da leitura dos livros de Sérgio e Mundicarmo Ferreti–pesquisadores da cultura negra do Maranhão–as divindades do Tambor de Mina, como a sacerdotisa Dona Deni, da Casas das Minas, e das rezadeiras do porte de Dona Maria Chicotinha, a mais conceituada da região da Madre Deus,
Como católico, mesmo não sendo assinante do L'Osservatore Romano ou filiado a Opus Dei, conservo minhas crenças e boa parte dos elementos da tradição católica. Cada um vive como quiser e tem que aproveitar seu tempo para meditação. Para viver bem é preciso paz, serenidade, muita fé e amor ao próximo.
Antônio Nelson Faria