Trrrim! Trrrim! O som onomatopaico do antigo telefone Ericsson disparava no estúdio da Rádio Ribamar, no bairro do Apicum, durante o programa de Raimundo Coutinho.
– Alô. Rádio Ribamar, bom dia! Raimundo Coutinho falando. Qual a música que você vai pedir do novo conjunto inglês The Beatles? Será o grande sucesso A hard day’s night? Muito bem. Você solicitou e vamos ouvir agora a música do momento dos reis do “Iê,Iê,Iê”.
Ao lado da enorme mesa de som e frente ao microfone Neumaum, com aranha de proteção para não deixar passar ruído de saliva na transmissão, um trio de jovens apaixonados pelo novo fenômeno de Liverpool, a banda inglesa, The Beatles, criada por quatro talentosos músicos e compositores que mudaram a rotina musical, revolucionando costumes e mentes, com suas canções de harmonia inovadora, métrica musical diferente e letras de conteúdo que atingiram jovens de todos os continentes.
A turma a que me refiro era composta por este escriba que vos conecta a cada quinzena, Nazaré Nunes, o habilidoso Urubu Soçaite, que circulou pela cidade até seguir para os Estados Unidos, onde se formou em Economia pela Universidade de Nebrasca e Miécio Jorge Filho, médico e político que hoje mora no templo celestial. Incumbidos dessa missão dividimos o espaço com o dono do programa.
Como o conjunto inglês era pouco conhecido na cidade resolvemos intensificar a sua divulgação nas emissoras de rádio da cidade. Como as portas eram sempre fechadas ao nosso projeto, resolvi apelar a instância superior, no caso Seu Gerson Tavares dono da Rádio Ribamar e amigo do meu pai. Acesso escancarado, rumamos a estação onde fomos muito bem acolhidos pelo fenomenal apresentador Raimundo Coutinho, de boa conversa, excelente tino musical e pronto para o lançamento de novos artistas.
Entramos no programa e ficamos grudados ao telefone. Na primeira chamada atendíamos a ligação e antes do ouvinte do outro lado da linha se manifestar, cortávamos a conversa e induzíamos logo: você ligou para pedir a música dos Beatles. E assim seguiu o programa. Não deixávamos o interlocutor falar e íamos direcionando à música da nova banda de rock. Foi um sucesso. E só conseguimos essa proeza com a boa vontade e a paciência do grande locutor RC que ajudou a popularizar as canções dos Beatles em plagas timbiras. Nesse dia só deu eles.
Foi um trabalho árduo, essa façanha de quebrar paradigmas musicais. Nas rádios locais imperavam os boleros do cubano Bienvenido Granda, Lucho Gatica, Silvinho, o elegante e performático Nat King Cole e um cast de grandes intérpretes do gênero e até os merengues garimpados na Radiola de Carne Seca, que alegrava os bailes da periferia da cidade. Algumas emissoras divulgavam músicas da Bossa Nova com Tom Jobim, Miele, Boscoli, Ed Lincoln o rei dos bailes do Rio de Janeiro, Sérgio Mendes, Jorge Ben ou a eletrizante cadência da pilantragem de Wilson Simonal que mais tarde virou X-9 e acabou enterrando vertiginosa carreira. Além é claro, da turma da Jovem Guarda, com o rei Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléia, Ronnie Von, Jerry Adriane e Wanderley Cardoso, entre tantos outros menos famosos.
Foi a ruptura de uma geração com o establishment musical que imperava há décadas. Fruto de uma galera que comprava calça Lee e perfume Lancaster na loja do Santana, no Beco do Teatro, e quando a única lavanderia da cidade era a Tinturaria China, na rua da Paz, de propriedade do chinês Chung, pai de Jesus Chung. Quando também era destaque o programa Aliança para o Progresso, ação social do Tio Sam para combater a pobreza, assim como os futuros projetos lançados pelo PT, com o mesmo fim, e que ajudaram a enriquecer muitos políticos, de antes e de hoje. Tempo em que a população era obrigada a ouvir repertório de canções que pouco variava.
No rádio Transglobe II, o primeiro portátil brasileiro que funcionava com 12 pilhas, sintonizava com potência e qualidade as emissora da cidade. A Difusora era a líder. Se não me engano Zé Branco tinha o programa de maior audiência. Na rádio Gurupi(do Diários Associados, atual Rádio São Luís), Wellington Lago tocava o que o ouvinte queria. Na Ribamar, hoje Capital, Raimundo Coutinho e Ermelindo Sales dominavam. Na Timbira, do governo do estado, Helberth Teixeira dava seu recado mandando sucessos. E, na Educadora, da Arquidiocese de São Luís, Edvaldo Assis atendia a grande clientela da emissora, moradora no interior.
The Beatles foi dissolvido em 1970. Deixou acervo musical que até hoje ninguém conseguiu suplantar. Nada do que foi, será, como bem diz estrofe da canção de Lulu Santos, novo ídolo do rock que certamente foi influenciado pelo inovador som criado pelos rapazes de Liverpool.