O BRASÃO
O brasão dos Riker assinala o seguinte: a cor azul, do escudo, representa nobreza; as estrelas douradas, são uma aspiração de glória; as rosas brancas são símbolos de discrição e fidelidade. “Sabe-se também que o brasão dos Riker foi modificado em 1225 e outra vez em 1329, devido a mudanças de status das terras que as famílias possuíam”. (J.J.Riker, in Rememorando meus 90 anos, Gráfica Alves, Belém, 2011, p.11/12”
A ORIGEM
O primeiro ancestral dos Riker que se tem notícias, foi um guerreiro germano, chamava-se Hans Von Rycken. Esse homem chefiou um grupo de cerca de 800 nobres durante a Primeira Cruzada, perecendo por volta de 1099, quando da campanha pela conquista de Jerusalém.
Outro ancestral da família Riker, bem conhecido, foi Abraham Rycken, que imigrou da Holanda para as colônias americanas por volta de 1630. Esse homem é o patriarca dos Riker no continente americano. Dados extraídos do livro “Rememorando Meus 90 Anos, de J. J. Riker, op. Cit..
O patronímico Rycken sofreu modificação, constando já em 1698 a nova nomenclatura a nomear John Riker, a partir do qual o sobrenome Riker ficou inalterado.
A FAMÍLIA RIKER NO BRASIL
Em 15.12.1867 a família Riker chegou em Santarém, vinda dos Estados Unidos. Meu bisavô materno, Robert Henry Riker, nascera em Savannah, na Geórgia, em 1824, mas estabeleceu-se em Charleston, Carolina do Sul, onde se casou com Sarah Happoldt Riker que tinha ascendência alemã. Ele era engenheiro mecânico, empresário, proprietário rural, e presidia uma via férrea que se iniciava no porto de Charleston, SC.
A situação após a Guerra de Secessão, apresentou-se humilhante aos cidadãos arrasados do Sul, agora sob o tacão das botas impiedosas da administração militar do Norte. A voracidade dos vencedores fê-los invadir todos os recantos, recâmaras e lugares mais sagrados das residências sulistas, agindo com odiosa violência, pisando no orgulho e no pudor mais íntimo daquela gente.
O dinheiro circulante virou pó. As famílias sulistas ficaram arruinadas e a rapinagem, violência e saques criaram um ambiente de terror e esse domínio só foi amainado em maio de 1872, pela Lei de Anistia Geral, entretanto, apenas em 1877 as tropas de ocupação efetivamente foram retiradas.
Foi nesse tremendo caos que meu bisavô, homem de negócios e também Coronel do Exército Confederado, desolado e profundamente desgostoso -apanhado no torvelinho desse contexto de miséria e perseguição, tendo perdido muitos bens e amigos que tombaram no campo de batalha -, decidiu sair dos Estados Unidos.
No segundo semestre de 1865 foi facilitada a expedição de passaportes e parte dos descontentes mudaram-se para o México ou para o Oeste americano e alguns foram atraídos por notícias do Brasil, por causa do sistema de vida meio semelhante ao do Sul de antes da guerra, mantido à custa do trabalho escravo e diante das facilidades oferecidas pelo governo brasileiro.
Há registros dando conta de que meu bisavô esteve no Brasil em 1866 e que foi recebido por autoridades imperiais no Rio de Janeiro. Consta que no retorno seu navio aportou em Belém e ao visitar o Consul Americano, foi informado de que um grupo de confederados estava se radicando em Santarém. Por aquelas coisas que só Deus pode saber, meu bisavô ficara seduzido pela fascinação da Amazônia e desinteressou-se de ir para o Sul do Brasil. (In “Seven Keys to Brazil”, 1941 p. 223, apud David Afton Riker, in “O Último Confederado na Amazônia”, Imprensa Oficial do Estado do Amazonas, Manaus, 1983, p. 19.
Assim, em 16.11.1867 Robert H. Riker embarcou para Nova York com sua esposa e seus filhos (Robert, Herbert, Lillah Adelaid, Sarah Virginia e David, de 16, 15, 11, 9 e 6 anos, e também Lillian de nove meses), pelo navio SS Manhatan.
Nessa viagem Lillian, a mais nova, faleceu a bordo e seu corpo teve de ser atirado ao mar. Quanta desolação e sofrimento! Abandonavam a terra em que nasceram e agora eram forçados a entregar o corpo daquele pequeno e amado ser ao abismo. Ao sofrimento atroz da perda na guerra associava-se agora a separação de sua garotinha, arrancada do seio familiar para as águas revoltas do oceano. Tristeza e saudades cumularam aquela gente já sofrida e bastante tocada pelas adversidades.
A morte é a rainha dos horrores! As tragédias rondam-nos sorrateiras e implacáveis. Minha bisavó jamais esqueceu da visão do corpinho de sua filha, envolto em lençóis, ficar boiando por um pouco até ser tragado. A dor torturante atormentara a todos. Horror, terror e medo os assaltava como uma violenta tempestade de maldições.
Meu bisavô, um homem sisudo e sóbrio, dominado por sua natureza firme, vivia momentos de grande perplexidade e apreensão. Aos dois anos de idade perdera seu genitor que morrera em um naufrágio, sofrera prejuízos incalculáveis com o advento da guerra e ali naquele navio levava sua família para o desconhecido, abandonando tudo o que ajudara a construir.
Já em Nova York, ainda com os corações partidos e não recuperados do terrível golpe, seguiram para o Brasil no dia 23.11.1867, pelo vapor SS South América e chegaram em Belém no dia 12 de dezembro desse ano. Três dias depois, viajando no navio denominado “INCA”, chegaram em Santarém. (Norma Guilhon, in “Os Confederados em Santarém”, Conselho Estadual de Cultura, Belém, 1979, p. 146).
Trouxe recursos próprios e comprou uma grande gleba, chamada Diamantino, onde cultivou cana-de-açucar, cacau, dentre outros produtos. Implantou uma destilaria e uma serraria, construindo uma represa no igarapé, com a qual produzia energia para esses empreendimentos. Adquiriu também uma vasta fazenda de gado no Maicá. E quando retornou de uma viagem aos Estados Unidos, em 1878, trouxe muitas mercadorias e abriu uma loja em sociedade com Mr. Rhome, que foi desfeita em pouco tempo.
Relata Paulo Rodrigues dos Santos, in Tupaiulândia, Santarém, 2ª ed. Belém, Grafisa, 1974, V; apud Norma Guilhom (op. Cit), que uma tela de autoria do célebre Rafael, intitulada “As ruinas de Palmyra”, que foi conhecida pela publicação de anúncio feito no jornal de Santarém, foi atribuído ao acervo dos Riker.
É ainda Norma Guilhon quem informa em seu livro já mencionado acima:
“Os que conheceram são unânimes em afirmar ter sido bonita a moradia dos Riker, embora um tanto rústica. Era, sobretudo, simpática e acolhedora, bem apropriada para o clima equatorial, com seus espaçosos e ventilados corredores. Semelhantes as já existentes na região, era de adobe, coberta de telhas de barro e, além de cinco dormitórios e demais dependências, possuía largas varandas na frente e na parte de trás. [...] Na sala de visitas pendiam pesadas cortinas de veludo vermelho com o monograma da família bordado em fios de ouro, remanescentes da mansão que possuíam em Charleston. As maçanetas das portas eram de porcelana.”
“Mr. Riker mandou construir uma carroça a vapor para o transporte da família nas idas à cidade. Dentro dela havia um relativo conforto e cadeiras para os passageiros. A carroça apitava e logo o povo a batizou de Vapor de Terra.”
Faleceu aos 58 anos de idade, vítima de derrame cerebral. Seu Necrológio, publicado no Jornal de Santarém, “O Baixo Amazonas”, de 07.09.1883, apud Norma Guilhon, op. Cit:
“Há homens que vêm ao mundo trazendo na fronte o selo da factalidade. O Sr. Riker, homem circunspecto, de uma probidade a toda prova, respeitado e considerado geralmente por seu caráter e honestidade foi um d’estes. Teve ao emigrar para o Brasil, fatigado das lutas políticas e da guerra civil em seu paiz, adoptando esta pátria, de suportar com resignação stoica muitos reveses que a sorte lhe preparava.”
Anoto abaixo as duras provas que se abateram sobre esse homem calejado pelas tragédias:
Seu pai (Abraham Riker) faleceu tragicamente em um naufrágio quando ele tinha dois anos de idade (1826).
Perdeu a guerra, amigos, companheiros e muitos bens (1865)
Sua filha com nove meses morreu a bordo, na viagem de Charleston para Nova York, onde embarcaram para o Brasil e teve de ser sepultada no mar (1867).
Seu último filho nasceu no Brasil, com sérios problemas congênitos (1868).
Sua esposa morreu ainda relativamente nova, com 47 anos (1877).
O filho mais velho, Robert, faleceu aos 29 anos (1881).
Grande perda com o incêndio criminoso em seu cultivo de cana-de-açucar, base de grande parte da sua economia.
As duas filhas retornaram para os Estados Unidos e nunca mais voltaram.
Considerando as formidáveis vicissitudes que se abateram sobre ele, pode-se vislumbrar um homem de muita força interior, para suportá-las. As fotos que temos dele o apresentam sempre muito sério, como se tantos dissabores tivessem dissipado a alegria de seu coração. Entretanto, nada é comentado em nenhum dos registros consultados que o descrevam como um homem amargurado. O que é dito é que pouco sorria e que isso era um traço de sua personalidade.
Confere-se também a ele - que foi escravagista na outra américa - atributos de um espírito magnânimo e misericordioso -, ressaltando o episódio relatado por Norma Guilhon, in “Os Confederados em Santarém”, em que alforriou o escravo chamado Vicente que lhe havia pedido que o comprasse de seu antigo dono. Graças à publicação que fez no jornal “Baixo Amazonas”, de 29.01.1881, essa comovente história chegou até nós.
Sua resiliência à montanha de nefastos acontecimentos deve tê-lo transformado em um homem previdente e sábio, pois em 1878, quando já contava um ano do falecimento de sua esposa, resolveu ir aos Estados Unidos, levando seu filho deficiente, que viria a falecer somente em 1931 e o deixou aos cuidados de uma de suas irmãs. E antes de tombar, vitimado por um fulminante acidente vascular cerebral, teria feito, sem demonstrar mágoa ou arrependimento, a seguinte declaração (conforme consta do final de seu necrológio):
“Adoptei esta terra como minha pátria; nela tenho empregado meus capitaes; nela pretendo sepultar-me” (língua portuguesa arcaica).
Há informações familiares de que eles eram vinculados aos dogmas professados pelos luteranos e tinham sua fé firmada nas promessas do Senhor, tendo as Sagradas Escrituras a balizar suas vidas.
CONSTRANGIMENTO NOS SEPULTAMENTOS DOS AMERICANOS
A quase totalidade dos americanos era protestante, como os Riker e naquela época e até a Proclamação da República em 1889, os cemitérios eram exclusivamente da Igreja Católica e os cristãos de outra denominação não poderiam ser enterrados neles.
Dessa forma meus bisavós e demais parentes que morreram antes dessa data tiveram de ser sepultados na fazenda ou na base de uma serra que ficou conhecida como serra dos americanos.
MEU AVÕ - DAVID BOWMAN RIKER
Conheci meu avô já no final de sua longa vida. Lembro de vê-lo sempre com um livro nas mãos. Minha mãe dizia que ele era “um homem de gênio muito bom, sempre bem-humorado. Gostava de contar anedotas e havia sempre um espírito alegre onde ele se encontrava.”
Nasceu no dia 03.08.1861, em plena civil war, em Charleston, Carolina do Sul e faleceu em Santarém, em 05.05.1954. Um de seus pedidos no leito de morte foi que a bandeira americana fosse colocada sobre seu caixão.
Veio com a família para o Brasil em 1867. Era o quinto filho. Voltou algumas vezes para os Estados Unidos, mas preferiu ficar neste país, embora nunca tenha se naturalizado. Após a proclamação da república foi oferecida a faculdade pelo governo, a quantos estrangeiros vivessem em nosso solo, para conceder-lhes a nacionalidade brasileira. Seu outro irmão, Herbert, contudo, naturalizou-se, foi eleito vereador e recebeu do Imperador D. Pedro II a patente de Major da Guarda Nacional.
Foi quem primeiro plantou seringueiras na Amazônia e quiçá no Brasil. Talvez tenha sido influenciado por Henry Wickham. Esse é o mesmo Wickham que em 1876 contrabandeou mais de 70.000 sementes de seringa, com a conivência das autoridades alfandegárias de Belém, levando-as primeiramente para a Inglaterra, depois para o Ceilão e outras partes do Oriente, onde foram cultivadas industrialmente, decretando o debacle da produção nacional.
Esse Wickham passou cerca de três anos em Santarém, onde abriu uma escola com a finalidade de ensinar inglês para os filhos dos confederados. Meu avô foi seu aluno e sua influência deve ter encorajado o empreendimento que ele e seu irmão Herbert implantaram, ao plantarem milhares de seringueiras. Há notícias de que foram cerca de 80.000 pés, mesmo que desafiando a voz corrente, à época, de que seringa plantada não dava leite. Eles seguiram seu intento e obtiveram grande resultado.
O projeto já estava maduro e produzindo, quando resolveram vendê-lo, em 1910, obtendo uma grande soma e bem próximo ao declínio da importância de nossa borracha no mercado mundial, pois a produção oriental, bem mais barata e em quantidade muito superior, detonou a falência dessa atividade no Brasil.
Seu esporte preferido era montar a cavalo e caçar. Seus cachorros de caça, da raça Galgo, eram “Duke” e “Dollar”. Sua primeira anta foi abatida quando era adolescente e há notícia de que aos 80 anos matou sua última onça, nas matas do Pindobal, no Rio Tapajós. Esse feito foi assim relatado: “Entrou na mata com alguns cachorros, em uma tarde, quando estes atacaram uma onça suçuarana (onça-parda ou puma). A fera trepou em um galho grosso de uma árvore, e ele abateu-a com um certeiro tiro.” (In “O Último Confederado na Amazônia”).
Em 1951, a Câmara Municipal de Santarém concedeu-lhe o título honorário de “Cidadão Santareno”, pelos “meritórios e inestimáveis serviços que realizou como desbravador da terra e consequente colaborador do homem nativo, e pela civilização e progresso de Santarém”.
Meu avô converteu-se aos dogmas Batista em sua viagem aos Estados Unidos, quando enviuvara e minha avó, antes católica, também ingressou na Igreja Batista, conservando-se fervorosa em sua fé nos poderes oferecidos pelo Senhor Jesus àqueles que o aceitam e se tornam filhos de Deus. O versículo preferido dela era o nº 12, do Salmo 90, que diz:
“Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos corações sábios.”
De outra margem, meu avô testemunhou seu amor à pátria adotiva, evidenciado em um depoimento do próprio punho, que não deixa margem a dúvidas:
“Não trocaria este lugar por nenhum outro no mundo. Estou satisfeitíssimo. Se os pobres dos Estados Unidos soubessem o que é isto aqui, viriam até a nado gozar esta eterna primavera, essa terra fértil, onde vivemos com um povo hospitaleiro e amigo.”
Casou-se duas vezes. A primeira esposa faleceu, deixando duas meninas. Teve também de um romance, antes de casar, outras duas meninas. Posteriormente convolou núpcias com minha avó, no dia 22 de junho de 1901. Ela era natural do município. Ficara órfã dos pais muito cedo e fora adotada por sua tia e madrinha, primeira dama da cidade, esposa do Intendente (prefeito), com a qual tiveram catorze filhos: José Álvaro, Zenóbio, Nelson, Lauro, Lourdes, Roberto, Rubim, Otávio, Mayflower, Fulton, Nora, Delmas, David e Joe. Todos já falecidos. Os três primeiros com pouca idade e Lourdes ainda com cerca de 30 anos. Os demais tiveram vida longa, dos quais a Nora ultrapassou o centenário, chegando a 104 anos.
MINHA MÃE - MAYFLOWER RIKER
Minha mãe era uma mulher admirável, corajosa, resoluta e ousada, operosa e prendada, possuía o dom da praticidade e o gênio voluntarioso e obstinado das mulheres fortes, dotada de otimismo acendrado e acrisolado no mais autêntico amor celestial, capaz de feitos monumentais.
Suas qualidades intrínsecas transcendem as lindes em todas as suas dimensões, tamanho seu imenso potencial. Sua fé, firme e fiel, contemplava o ceu e o próprio Senhor Deus com total literalidade, acreditando na inerrância das Escrituras Sagradas. Tinha certeza de sua caminhada rumo ao paraíso para habitar com o Senhor Jesus ao findar sua existência terrena. Seu salmo preferido era o 91 e para nós constantemente repetia o versículo 5, do Salmo 37: “Entrega teus caminhos ao Senhor, confia nele e ele tudo o fará”.
Enfim, era uma guerreira admirável, enfrentou batalhas cruentas e à sua maneira sagrou-se vitoriosa. Podia chorar por alguns instantes diante de acontecimentos funestos, dramáticos ou trágicos, mas recuperava-se diante das adversidades, acreditando no poder do Senhor, como seu pastor e que nada lhe faltaria. Devemos muito a ela. Eu talvez seja o de maior débito, pois sempre teimoso e recalcitrante, a desgostei em muitos momentos, desde pequenino e isso era ela mesma quem dizia. Mas, mãe é mãe, e merece respeitosa devoção.
Em 1971 ela chegou em Imperatriz para me visitar, sem avisar, antes do meio dia. Havia vindo de Goiânia de ônibus e chegara a Tocantinópolis e à noite mesmo atravessou o Rio Tocantins em uma balsa improvisada, para Porto Franco, adentrando o território maranhense, onde retomou o ônibus. Imperatriz ainda não dispunha de telefone interurbano. Ela havia ido a São Paulo de avião.
Sua intrepidez inédita dava-lhe coragem para viajar de canoa à vela, de avião monomotor (o famoso teco-teco) com os meus irmãos, pousava na fazenda, acho que se fosse necessário ela usaria paraquedas, submarino ou um balão. O medo parece que passou longe dessa grande mulher.
Jamais esquecerei quando, ainda menino, ela dizia; “Estude para ser gente”. Naquele quadrante de minha vida não entendia o que ela queria dizer, mas quando concluí minha primeira faculdade fiz uma longa carta a ela, relembrando esse fato e tantos outros, sobretudo seu estímulo a que nos dedicássemos a ser bons profissionais. Dizia ela que o verdadeiro doutor é aquele que faz bem seu ofício. Assim, pelo seu conceito prático, o doutor pedreiro, o doutor padeiro, etc. deveriam ser reconhecidos.