O Brasil e o mundo, que estão a enfrentar uma terrível pandemia com sombrios horizontes, perderam um dos expoentes da saúde e da Medicina: o Professor Isaac Lobato Filho, que partiu no último dia 16. A sua morte, aos 96 anos, deixa um clarão que nunca pode ser preenchido. Mas, ficam a lição e a inspiração do seu rico legado como um luminoso exemplo.
Nascido na cidade de São Bento, nos vastos campos da Baixada Maranhense, Isaac Lobato Filho consagrou-se como grande e inovador cirurgião cardíaco.
A sua mente vibrante e privilegiada foi uma usina criadora de grandes inovações no campo da ciência médica. Conta-nos o Dr. Saul Linhares, seu admirável aluno, que o médico Lobato com o seu bisturi mágico realizou a primeira cirurgia cardíaca sem circulação e extracorpórea em 1960, e a primeira com extracorpórea em 1963. Foi fundador da Faculdade de Medicina da UFSC, em 1960, e do Instituto de Cardiologia do Estado, em 1964.
O Dr. Isaac Lobato Filho deixou também a marca do seu talento como professor titular de cirurgia torácica da UFSC e de membro emérito da Academia Catarinense de Medicina. Era um cavalheiro de trato suave e gentil, que conhecia como poucos o prazer da fala e da vida; tinha o sorriso aberto e o olhar luminoso.
Ao recordar-me do Dr. Lobato, veio-me à memória um episódio existencial de Beethoven, que, num momento de inspiração, interrompeu a aula de piano que estava ministrando e, sem maiores explicações, saiu de noite a passear pelo campo. Regressando, escreveu de corrido a “Sonata ao Luar”, nome popular que foi dado à “Sonata quase fantasia” e do qual Beethoven não gostava. Numa recepção posterior, interpretou a composição. Quando acabou, aproximou-se uma dama e lhe perguntou: “Maestro, qual é o significado dessa peça tão maravilhosa?” O músico olhou-a com certo desprezo e respondeu: “Minha senhora, o significado é este”. E, sentando-se ao piano interpretou a Sonata ao Luar completa, nos seus três movimentos, levantou-se e foi embora.
Algo de equilíbrio racional procurava a boa senhora, e encontrou por resposta a harmonia genial do compositor.
A inspiração do médico provirá muitas vezes da corda da compaixão que vibra com facilidade num coração disposto a ajudar. Essa será a nota que dará a tonalidade para o desenvolvimento posterior da sua atuação, para os acordes harmônicos do raciocínio clínico. Gregório Marañón, médico humanista e profundo conhecedor dessa simbiose harmônica, adverte: “O médico, cuja humanidade deve estar sempre alerta dentro do espírito científico, tem de contar, primeiramente, com a dor individual; e mesmo que cheio de entusiasmo pela ciência, deve estar disposto a adotar a paradoxal postura de defender o indivíduo, cuja saúde lhe é confiada, contra o próprio progresso científico”. Ou, em palavras nossas: antes abrir mão de uma falsa ciência, do que abdicar da harmonia que beneficia o paciente.
O Dr. Issac Lobato Filho soube compor, com divina harmonia, a verdade da ciência e os valores do humanismo. Ao vê-lo nas minhas lembranças, um verso de Fernando Pessoa aloja-se no meu espírito: “Não reparamos que éramos um só, que cada um de nós era uma ilusão do outro, e cada um dentro de si, e mero eco do seu próprio ser.”
O meu ilustre conterrâneo e estimado amigo, Dr. Zaquinho, como Paulo de Tarso a Timóteo, tinha consciência de que combateu o bom combate e guardou a fé.
É com o sentimento de que o Dr. Isaac Lobato continuará a ser uma fonte de perene inspiração e um paradigma de médico, professor e gestor, que lhe reverencio com minha homenagem, com a consciência de que o seu legado é motivo de orgulho para todos os maranhenses e catarinenses.