Nesta temporada de Cinzas, com ares de “fora de época” pela exclusão do Carnaval, veio-me a lembrança do bloco dos jornalistas e radialistas que circulava na manhã da quarta-feira, em plena quaresma, saindo do Clube dos Sargentos(virou Clube Montese), no João Paulo, cujo baile fechava as festas momescas na cidade. O bloco seguia com destino ao 2º Distrito Policial, no mesmo bairro, que era comandado pelo delegado Penha e tinha o intuito de liberar os foliões presos, por desordem ou embriaguez, durante o carnaval. A tradição foi mantida por longo tempo. À frente do grupo, o eterno Rei Momo da Capital, Haroldo Rego, e trupe incluindo Rayol Filho, Aldir Dantas, Reginaldo Correa, Eloi Cutrim e outros nomes famosos que faziam a cobertura carnavalesca dos jornais e emissoras de rádio da cidade. Nesse ato pela soltura dos que cometeram excessos e foram enjaulados, foi excluída a desvairada Leonete, que barbarizou a cidade ao matar o filho-bebê para brincar o carnaval. O brutal crime aconteceu numa das ruas do Centro, onde ela trabalhava como empregada doméstica. Foi um horror e virou manchete do Jornal Pequeno. Depois de julgada, foi transferida para a penitenciária de Alcântara e nada mais se soube dela.
Com o encerramento do carnaval, a vida voltava à normalidade com as lojas, as fábricas e as mercearias funcionando a pleno vapor. É bom lembrar, que na segunda-feira Gorda, algumas firmas da Praia Grande permaneciam abertas em meio expediente. Mantinham as portas escancaradas durante o período momesco, o Abrigo Novo, o Mercado Central e a Meruoca, no João Paulo, que só fechou as portas quando encerrou as atividades.
Eram outros tempos em que somente a tradicional farmácia vendia medicamentos. Nada de drugstore, anglicismo até difícil de pronunciar, onde hoje é comercializado água mineral, sorvete, chicletes, prendedor de cabelo e até remédios. Complexos vitamínicos odiados pela garotada como Wakamoto e Emulsão de Scott – horrível concentrado de óleo de bacalhau que somente o sabor do Vinho Reconstitucionante Silva Araújo era capaz de retirar o amargor – eram líderes de mercado. Para azia e mal-estar, nada como Alka-Seltzer e Sal de Fruta Eno. Dor de cabeça era batata: uma Cibalena e o problema estava resolvido. Sem esquecer o “saboroso” Leite de Magnésia de Phillips, laxante de primeira grandeza e para o combate à acidez estomacal, além é claro, da embalagem virar cerol para empinar papagaio. Todos, encontrados somente nas drogarias da época.
As poções maravilhosas fabricadas nas farmácias Sanitária e Garrido derrubavam febre e cortavam a gripe. No Laboratório Dom Vital de Matos, comprava-se caixinha de Pílulas Contra(não se sabe contra o que), além de outros remédios da farmacopeia genuinamente maranhense para a solução dos problemas do fígado e dos males do estômago. A maior pesquisadora da área, a ilustre professora Teresinha Rego, manipula até hoje centena de fórmulas curadoras acessíveis ao bolso dos mais pobres. O Laboratório Jesus, na rua de Santana, tinha no seu mix, produtos populares, que sobreviveram por muito tempo. As pílulas do Dr. Reuter eram eficazes no combate aos problemas do intestinos. E para resolver complicações e indisposições nas mulheres, o velho de guerra Atroveran, tão bom que vai permanecer por muitas décadas no mercado.
Nas esquinas e calçadas da rua Grande se instalaram os marreteiros oferecendo produtos como cortador de laranja, guarda-chuvas e capas de nylon para proteção no período invernoso. Alguns mais sofisticados enchiam canetas-tinteiro com tinta Parker – original na embalagem de vidro – e capas de couro sintético, fabricadas no Ceará, para rádio portátil japonês Spika. Daí, foi um passo para o comércio ambulante se consolidar, a informalidade se alastrar e virar indicador econômico no país. Nesse segmento da economia invisível está escancarada como a categoria cresce a cada dia, e enfrenta as crises e baques, que, de vez em quando, abalam a nação brasileira.
O alto comércio varejista de São Luís migrou para essa via e ganhara a simpatia dos consumidores. Ali estavam instaladas lojas de todos os tipos, como a Lojas Cacique, do comerciante Mário Mendes, lançadora de moda como sapatos mocassim e camisas coloridas para usar no carnaval. No Magazine Serrano, apegado da Casa Garimpo, suas vitrines exibiam ternos de Pitex e Tropical inglês, nas cores cinza e preto e do tipo risca de giz ou de linho Belga-S-180 ou o brasileiríssimo Braspérola, além de camisas Volta ao Mundo ou de Bouclê, calça tipo “pied de poule”, xadrez, e Summer branco para festas mais sofisticadas. A pura moda do estilo como se trajava o então garoto-modelo Simão Félix Filho, galã de episódio da revista de fotonovelas Sétimo Céu, da Editora Bloch, sucesso em todo território nacional.
O intelectual Joaquim Itapary, de soberba memória, assinala a existência do bazar O Dragão, na rua Grande, de propriedade de José Nahuz e Heitor Boabaid. E, considera pioneiro o jingle produzido para a Casa do Linho Puro, loja estabelecida na mesma rua, veiculado nas rádios Timbira, Difusora e Ribamar. E registra ainda que o precursor da propaganda volante em carro de som em nossas plagas, foi uma caminhonete com o decalque na carroceria exibindo a logomarca da Manteiga Lírio. Circulava pelas ruas para popularizar o produto originário de Minas Gerais, concorrente da inigualável Manteiga Real. Parece que a estratégia não deu certo e a tática criativa não alcançou o objetivo. Até hoje a deliciosa Manteiga Real, produto mineiro fabricado há quase 100 anos é a preferida das mesas e dos cafés da manhã da maioria dos maranhenses.