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Curtos momentos

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O rei do ar

Zé Caveira imortalizou-se pela fabricação esmerada de Papagaios, Bodes e Jamantas, habilmente confeccionados na sua oficina nas adjacências da rua da Borroquinha, xis com a rua das Cajazeiras, no antigo Largo do Santiago, onde funcionou a fábrica Martins & Irmão, no Centro da cidade. O vendedor de sonhos aéreos reinou durante décadas fabricando essas imponentes asas voadoras que cortam os ventos e cintilam brilhantes nos nossos céus no período dos fortes ventos. Os lúdicos artefatos que são chamados de várias formas, de curica a pipa, e praticados nas manhãs dos sábados e domingos onde houver um descampado na cidade. É um esporte aéreo simples que alegra as pessoas de todas as classes e é praticado há várias gerações. Uma diversão que atravessa os tempos.

Para quem é do ramo, a arte de empinar papagaio começa na infância e acompanha até a velhice. Para fazer um bom brinquedo voador é necessário muito pouca coisa. Basta papel de seda, varetas de bambu ou taquara, cola e um punhado de linha. O cerol tinha alma e ritual que incluía vidro de leite de magnésia Phillips, lâmpada fluorescente e ou de garrafa de cerveja casco claro(esverdeado), os preferidos para moer nos trilhos dos bondes, de preferência, o “cara dura”. Depois era só pegar o vidro estraçalhado, misturar com cola ou goma arábica e aí estava pronto o melhor cortante capaz de patrocinar grandes lanceadas e ataque mortal à pipa do adversário. A qualidade do produto era medida pelas cicatrizes exibidas nas mãos do empinador.

A praça Deodoro era espaço disputado pelos feras da cidade. Outros como a avenida Beira Mar, a Pedro II e os descampados nos bairros, se destacavam por ter ventos fortes e pouca existência de rede de iluminação. Até hoje não sei o nome de Zezé Caveira. Mas ele foi o mais importante divulgador desse esporte popular na cidade.

Lúcio Costa em São Luís

Pouca gente lembra, mas o arquiteto Lúcio Costa, autor do projeto do Plano Piloto de Brasília, esteve nestas plagas nos anos 80 a convite do prefeito Mauro Fecury, contratado para elaborar estudos de um novo polo urbano para a expansão da cidade. O plano urbanístico previa a concepção de Superquadras no trecho do Calhau – avenida dos Holandeses até a Jerônimo de Albuquerque, na Cohama –, como um novo marco de mobilidade urbana para a expansão da cidade. O arquiteto Ricardo Perez, secretário municipal de Obras e Transportes, foi o articulador da vinda do famoso urbanista para conceber audaciosa modificação na estrutura viária e urbanística da Capital. Infelizmente o projeto não vingou. Mas para sorte de todos, os arquitetos Maria Elisa Costa(Lily, filha de Lúcio) e Paulo Jobim(filho de Tom Jobim) responsáveis pela elaboração do projeto passaram quase um ano com a gente. Além de técnicos de primeira qualidade se incorporaram à cultura da cidade e circulamos juntos pela área boêmia, acompanhando as manifestações folclóricas e o movimento dos lugares badalados da época. Lúcio Costa sempre trajava blazer de corte autêntico de casimira inglesa e, por ter passado parte da sua vida na Inglaterra, se assemelhava a lorde britânico. Entretanto, era um homem culto, com extremo conhecimento na sua área e de uma simplicidade ímpar, o que o tornou um dos brasileiros mais respeitados no país e no mundo. Para Ricardo Perez, deu de lembrança um poema de sua autoria que reluz emoldurado na sala da casa do arquiteto que o Maranhão consagrou.

Jogo de azar

O ciclo do entretenimento da sorte em São Luís, mais conhecido como Jogo do Bicho, teve sua fase áurea com o banqueiro Totó, com banca instalada na rua de Nazaré, e era visitado por quem corria atrás de fezinha para ganhar uns trocados. Morava em nossa casa, uma senhora que fora babá de meu pai. Chica, como era conhecida, tinha sonhos mirabolantes e premonições fantásticas que se transformavam em números premiados na roleta da sorte. Certa vez, Chica me deu um palpite e indaguei ao Seu Raimundo, um empregado da firma de meu pai, que nos levava e buscava(eu e meus irmãos) no colégio, se ele podia fazer um jogo para a gente. O dinheiro saiu da economia que fizemos na compra da merenda que Dona Zima, a dona da pequena lanchonete, servia cardápio variado: biscoito Maizena ou pão com mel. Da economia pedimos ao nosso fiel condutor que tentasse a sorte na loja de Totó. Bingo! Acertamos na cabeça. O dinheiro dava para comprar uma bola de couro oficial marca Drible ou Crack, no bazar Ferro de Engomar, no Largo do Carmo. Compra realizada a alegria durou pouco. Não podíamos chegar em casa com o troféu amealhado por fruto da jogatina. O pau ia comer e, com certeza, iriamos ficar de castigo ou fazer penitência pelo pecado praticado por ter comprado bola de futebol com lucro conquistado em loja de perdição. Resumo da ópera: resolvemos doá-la ao Seu Raimundo. Ele foi o grande sorteado levando a bola tinindo de nova para disputar pelada com seus filhos. A sua glória foi a nossa salvação.

Antônio Nelson Faria


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