Neste dia 24 de abril, chega aos 90 anos, inabalavelmente situado no seu outono feliz e bem-aventurado, o nosso estimado mestre e amigo José Sarney.
Foi no solo sacrossanto de Pinheiro, tradicional e culta urbe maranhense, numa manhã chuvosa, sob a proteção de Santo Inácio, que José Sarney abriu seus olhos para este mundo e recebeu de Deus um balde cheio de estrelas.
T.S. Eliot, no seu magnífico “Terra Arrasada”, verberou que abril é o mais cruel dos meses:
“Abril é o mais cruel dos meses, germina
Lilases da terra morta, mistura
Memória e desejo, aviva
Agônicas raízes com a chuva da primavera”.
No Maranhão o mês de abril é um mês virtuoso. Na terra timbira, onde todos que dormem acordam poetas, mesmo admirando o gênio poético do grande dramaturgo e poeta T.S.Eliot, a crueldade de abril é uma miragem, pois para nós, devotos de Sarney, abril é mês sagrado do bem-fazer.
A vida luminosa e a biografia de Sarney deixam seus amigos emocionados, não só por ser uma história importante para o Maranhão, mas sobretudo porque é fundamental para o País. Tenho a convicção plena de que José Sarney encontra-se entre aqueles poucos escolhidos que personificam, na mais sublime essência da naturalidade, caridade e solidariedade cristã. Sua história é de dignidade, integridade e de luta perene de compaixão ao próximo e defesa da vida.
A atuação de José Sarney na arena política atingiu o ponto culminante, com a sua investidura como o mais alto mandatário da República. O seu descortínio, o seu talento, a sua vocação de estadista e a sua capacidade de mediador foram decisivos para a nossa travessia do regime autoritário para a mais plena e longa quadra democrática da História do Brasil. Ele teve a noção exata de como conduzir o xadrez nos momentos mais difíceis do jogo político. Conhecedor da História e das grandes ideias políticas, Sarney sabe que a política não é uma dádiva para os pobres de espírito, como ensinou Maquiavel.
Cícero ensinava que amizade é antes de tudo confiança. O pressuposto para que a relação entre duas pessoas se solidifique é olhar com simpatia o outro no seu modo de ser. Sarney compreende essa grande aventura humana que é a amizade, compreende também que muitos e variados são os seus desafios. Quem tem amigos sabe quanto é gratificante superar desafios para solidificar a amizade. Relembro Albert Camus: "só quem ama a si próprio pode amar o próximo”.
Outra marca peculiar do Presidente Sarney é a amorosa fraternidade que ramifica àqueles com quem cria laços, afetivos ou profissionais. A minha convivência com o amigo Sarney me faz lembrar o momento em que Jesus, no Lago de Genesaré, convocou os seus discípulos a fim de se tornarem pescadores de homens.
A minha amizade com o Presidente Sarney se tornou mais substanciosa e profunda com a abençoada interveniência de um fraterno e grande amigo, o Professor Benedito Buzar, o noivo de Itapecuru-Mirim.
Quando nos encontramos no Maranhão, sob os acordes das águas lustrais da baia de São Marcos, é parada obrigatória fazer-se presente no aconchego maranhense da residência do casal Dona Marly e José Sarney. Sarney é dotado de memória prodigiosa e tem o ritmo gostoso do "causeur” temperado pela sua cultura gigantesca e enciclopédica.
Mas, Sarney gosta mesmo é de ser membro da Academia Brasileira de Letras e ser reconhecido como um grande escritor. Sua produção literária já foi traduzida para vários idiomas e seu talento de mestre da ficção foi reconhecido por Claude Lévy Strauss: “Com o seu texto eu reencontrei o sabor, a linguagem carregada de imagens, sobretudo a qualidade profundamente humana de sua população. Eu amei e admirei o livro (Norte das águas)”. Octavio Paz definiu: “José Sarney, poeta e defensor da liberdade”.
A obra literária de José Sarney, como se vê, atingiu uma projeção universal. Ele, com o seu realismo mágico e fantástico, nos apresenta a realidade e a magia dos mares e dos pescadores do Maranhão fantástico, abrindo-nos um painel onde se revelam conflitos, vitalidade e um humor que concilia, numa verdadeira superação da visão presencial da morte.
As velhas tragédias gregas já nos ensinaram que são poucas as coisas que de fato movem a humanidade: o amor, o medo da morte e o poder. Observando atentamente a caminhada vitoriosa de Sarney, constatamos, com muita nitidez, uma extraordinária jornada de bravura, superação, vigor, harmonia e reconciliação, pois ele teve a graça de entender que nada é intocável, perfeito ou definitivo; tudo deve ser examinado, criticado e, se possível, transformado, porque essa é a lógica da trajetória humana na face da terra, a lógica da mudança e da transformação.
É com esse louvor e com a dupla alegria da amizade e da admiração, que venho deixar a minha homenagem ao grande político e escritor José Sarney, nessa feliz efeméride dos seus 90 anos.
(Abril de 2020)