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O grande fidalgo

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Essa virose exportada pela China está impactando todo mundo e colocando a população recolhida em casa como garantia de manutenção da vida. De quebra a economia desaba ladeira abaixo e os políticos se espoletam e trocam afiadas farpas entre si. Do jeito que as coisas andam com a chegada do lockdown, lembrei-me de ressuscitar livro clássico das boas maneiras e da elegância, escrito pelo mestre Marcelino de Carvalho, que, diferentemente do outro Carvalho, o Olavo - guru da República- não fala palavrão e sequer pensou algum dia em baixar o nível ou abandonar os exigentes protocolos dos bons modos.

Guardião da educação refinada Marcelino era de um tempo em que as misses trajavam maiô Catalina, os abastados viajavam pelo país nas asas da Panair, as damas usavam o tônico Regulador Xavier para controlar os “incômodos” e todos os bondes de São Luís passavam pelo Canto da Viração. O autor do bestseller “Guia das boas maneiras” ministrava aulas para pessoas de boas famílias, cavalheiros e moçoilas em ascensão e a postulantes de vagas no Itamaraty, além é claro, das finesses da época que participavam dos consagrados e fechados desfiles da Fábrica Bangu, a indústria de tecidos que ditava a moda feminina brasileira.

MC impôs normas e fixou atribuições para a boa postura e de como se conduzir na sociedade sem dar vexame. Excluiu das mesas pratos como estrogonofe e cordon blue, introduzindo cardápio sofisticado com escargot e caviar, como ele mesmo gostava de citar. Como os endinheirados desse tempo, presumimos que trafegava num reluzente Ford Lincoln Continental, no pulso legítimo Patek Philippe e nas viagens ao exterior a preferência era para a Varig pela requintada forma como tratava seus passageiros. Quando permanecia no Rio de Janeiro, certamente hospedava-se no Copacabana Palace o mais sofisticado do país ou então no Hotel Glória que reinou até acabar em ruínas pela megalomania de Eike Batista.

Neste tempo do glamour deslumbrante de MC, nossa afável cidade contava com cerca de 168 mil habitantes e vibrou com a inauguração do edifício João Goulart, o primeiro arranha-céu destas plagas, construído pela Construtora Caiçara. O prédio composto de dez andares ocupados pelo IAPI(Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários), emplacou a novidade de elevador com ascensorista, a coqueluche da Ilha. Foi o terceiro imóvel a possuir o equipamento inovador. O primeiro, instalado no prédio da firma Martins, Irmão e Cia., na Praia Grande e o segundo no Palácio do Comércio, na Pedro II, onde funcionava o Hotel Central do empresário português Oliveira Maia.

Logo depois, a TV Difusora-a Pioneira- fundada pelos irmãos Raimundo e Magno Bacelar, nova inquilina do JG, instalou-se no nono e décimo andares do prédio. A emissora espalhava alegria para os melhores lares da cidade(aparelhos de televisão ABC, Invictus, ou Admiral-todos made in Brasil- eram muito caros). No canal 4 a programação privilegiava artistas locais como Reinaldo Faray, Gerd e Lurdinha Pflueger, a dupla Ponto e Vírgula, o cômico Marreta, o sonoplasta Parafuso, Escurinho do Samba e Antonio Vieira, a crônica social com Genú Moraes e tempos depois, Momento Social com Maria Inês Sabóia. A reflexão do programa Romance da Fé, iniciado com Monsenhor Ladislau Papp, depois conduzido por Dom Motta e Mário Cella(mudou o nome para Momento da Fé). E o clássico Um Minuto Apenas, com a professora Maria de Jesus Carvalho que permaneceu no ar por mais de vinte anos. Do seu cast faziam parte também Fernando Sousa, Fernando Cutrim, Bernardo Almeida, Dona Zelinda Lima, Florisvaldo Sousa, os diretores Jesus Itapary, Haroldo Rego e Genis Soares e outros tantos bambambãs da época, sob a liderança de Magno Bacelar. A primeira entrevista realizada da TV Difusora foi em 10 de novembro de 1963, concedida pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek para o jornalista Bernardo Almeida, que por muito tempo comandou o editorial “A Difusora Opina”, na RD.

Mensagens publicitárias de anunciantes como sabão Girafa, Gandra e Martins(o seu primeiro garoto propaganda foi Ribamar Gomes, o Gojoba), Marauto, Francisco Aguiar, Auto Serviço Lusitana, BEM, Citrosuco e Cola Guaraná Jesus, Companhia Moraes, Casa Inglesa, B Murad, Casa Moraes, Oleama(criou a primeira Assessoria de Imprensa empresarial no Maranhão), Casa Garimpo e de outras empresas eram exibidas nos intervalos da programação. Era praxe também anunciar missa de Sétimo Dia no horário nobre.

A primeira agência de propaganda da cidade foi a Link Propaganda, fundada por José Joaquim Aragão, Fernando Sousa e Sérgio Brito. Logo depois surgiu a Promove Propaganda, sob a batuta de Bernardo Almeida e Leonor Filho. Ambas produziam os comerciais da TV. A Revista Legenda em apenas três edições sacudiu a cidade. No seu corpo editorial pesos pesados do quilate de Benedito Buzar, Joaquim Itapary, Reginaldo Teles e outros tantos intelectuais.

Naquela fase de ouro, o mundo era pequeno e contido nos vinte volumes da Enciclopédia Delta La Larousse. E não constavam no vocabulário palavras como reengenharia, proativo, resiliência, sinergia, meritocracia e outras tantas inovações vocabulares, ditas da modernidade. Mas, no atual momento com o planeta envolvido em imensa crise de saúde e de derrocada econômica o grande fidalgo Marcelino de Carvalho deixaria a etiqueta de lado e partiria ao ataque do dragão chinês. E, sofisticadamente murmuraria aos confinados por imposição do aterrorizante termo estrangeiro “lockdown” que esse tal de coronavírus está ficando um porre.

Antônio Nelson Faria


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