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Vereda Tropical

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Lembranças vieram à minha mente depois de ver um documentário sobre o grupo de músicos cubanos que tocava na antiga casa de shows Buena Vista Social Club, em Santiago de Cuba, por volta dos anos 50.

Muitos deles já eram famosos quando o regime de Fulgêncio Batista suspendeu o funcionamento da Casa; ficaram no ostracismo por mais de dez anos, sem poder tocar seus instrumentos e levando uma vida de profunda necessidade. Aí aconteceu quase um milagre: o produtor musical americano Ry Cooder, em sucessivas viagens a Havana, redescobriu esses talentos levando-os à realização de gravações e de shows memoráveis em Amsterdã e Nova York, transformando as suas vidas ainda que próximas do fim.

Agora, diante dos esforços concretos dos Estados Unidos e de Cuba ao reatamento de relações diplomáticas e comerciais, difícil não relembrar aquela época com o que acontecia em São Luís, principalmente no Lítero Português do Largo do Carmo, nas festas animadas pelo Jazz Alcino Bílio.

Regido pelo maestro Chaminé e seu acordeão, mais o Roque e seu contrabaixo, Lauro Leite e seu piano, José Hemetério e seu violino, além de outros músicos não menos virtuosos, o Jazz executava um repertório que incluía boleros, rumbas, mambos, chá-chá-chás e outros ritmos caribenhos. Havia como que uma febre por esses ritmos, uma verdadeira vereda tropical que nos conduzia sistematicamente aos sucessos daquele momento: a orquestra de Rui Rey, especializada em rumbas e correlatos, e os boleros originalmente gravados por Gregório Barrios, Chucho Martinez, Pedro Vargas, Bienvenido Granda e Lucho Gatica.

Quantos encontros e desencontros não foram embalados por aquele som dançado aqui como se estivéssemos lá; quantos acertos e desacertos nesse procedimento. Aconteceram rompimentos que certamente permitiram a cada um acabar encontrando o seu melhor caminho, a sua alma gêmea, mas também o risco de ter perdido exatamente essa possibilidade.  De qualquer forma, era a regra do jogo, usos e costumes de uma época áurea e sadia.

Começar a namorar, então, deveria supor rapazes e moças livres de outros compromissos; as complicações seriam decorrentes e circunstanciais: namorar sendo fiel, noivar quando estivesse certo da escolha, com o consentimento das famílias e pelo tempo que fosse necessário; casar e permanecer na eternidade enquanto durasse, e até que a morte os separasse.

Hoje, como são os relacionamentos? Todos muito “modernos” experimentando e exercitando práticas sem limites nem fronteiras, misturando e confundindo sentimentos; que falta nos faz a oportunidade de voltar a bailar, de murmurar ao ouvido, que nada até agora iguala a magia do abraço no prazer de dançar.

Salve, portanto, o Buena Vista Social Club e o Grêmio Lítero Recreativo Português. Salve Compay Segundo, Rubén González, Ibrahim Ferrer, Omara Portuondo, Eliades Ochoa. Salve o maestro Chaminé, Roque, Lauro Leite e José Hemetério. Salve Ruy Rei, Gregório Barrios, Chucho Martinez, Pedro Vargas, Bienvenido Granda e Lucho Gatica.

Salve todos esses músicos e cantores sensacionais, nos espaços sagrados de Havana e de São Luís, pelos momentos inesquecíveis que proporcionaram à minha geração.

Antônio Augusto Ribeiro Brandão


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