Temos um grande débito a resgatar com as mulheres, pelos incontáveis séculos de devotada discriminação e desumana exploração.
Os registros contam-nos, em todo o seu barbarismo, o impiedoso passado de lutas e de sofrimentos que envolveu a mulher, não lhe permitindo a condição de verdadeira companheira do homem – posição só recentemente alcançada – e assim mesmo, com restrições de alguns radicais inconsequentes.
Façamos, portanto, um breve mergulho na história e vejamos o que ela nos revela.
Desde os albores da humanidade, quando o homem se limitava à cata de alimentos e à caça, até ao momento em que se tornou sedentário, a mulher era considerada apenas como asseguradora da descendência, vivendo em total dependência.
Entre as sombras dos séculos podemos ver o sofrimento das mulheres, ora servindo como escravas, ora como concubinas ou até mesmo como esposas, mas despojadas do direito de exercer a plenitude de suas personalidades.
Para muitos pensadores medievais a mulher necessitava de proteção e de tutela do homem.
No século XVIII o jurista inglês Sir William Blackstone negou os direitos da mulher casada, dizendo: “A capacidade jurídica da mulher é anulada pelo casamento e passa a formar parte da do marido”.
Por outro lado, a história nos oferece exemplos de muitas mulheres que se destacaram pela sua cultura ou pelo seu talento, principalmente dentre aquelas das classes privilegiadas.
Muito diferente se apresentava, contudo, a sorte das mulheres dos estratos inferiores – as desfavorecidas – que tinham de trabalhar duramente para garantir o sustento da família, como ainda hoje acontece, quer como serviçais nas casas ricas, quer trabalhando em casa ou ainda como operárias nas fábricas. Essas fábricas haviam surgido com a Revolução Industrial, período áureo da humanidade.
No século XIX, as mulheres eram exploradas nas fábricas como mão de obra mais barata, chegando a trabalhar até dezessete horas diárias, por salários que frequentemente correspondiam a apenas metade dos salários dos homens, não deixando, além disso, de ter a seu cargo as tarefas domésticas.
Somente em 1900 entrou em vigor na França uma lei que fixava em doze horas a jornada de trabalho da mulher e lhe assegurava um dia livre por semana. E isso foi uma grande conquista para a época.
Nos Estados Unidos da América, por essa altura, o panorama não era mais animador.
Também a mulher americana trabalhava arduamente por metade do salário do homem.
Mas, uma vez que participava em grande escala na produção, ganhando o seu salário ainda que miserável, mesmo assim alcançou uma certa independência que a levou a reivindicar os mesmos direitos que tinha o homem.
Os primeiros movimentos sufragistas que se conhecem remontam ao século XVIII.
Foi em 1789 que a francesa OLYMPE DE GOUGES publicou uma declaração dos direitos da mulher, na qual exigia para esta o direito de voto. Três anos mais tarde, apareceu na Inglaterra o livro VINDICATION OF THE RIGHT OF WOMEN (Defesa dos Direitos das Mulheres), de MARY WOLLSTONECRAFT, defendendo energicamente o direito à instrução e iguais oportunidades profissionais e exigindo que se pusesse fim ao pão amargo da dependência.
Também alguns homens honrados se empenharam na causa dos direitos das mulheres. O filósofo e economista JOHN STUART MILL proferiu em 1867, um discurso perante o Parlamento Inglês em defesa do direito ao voto, pela mulher e dois anos depois publicou um livro no qual protestava contra a discriminação a que era sujeita.
Esse livro foi considerado uma bíblia pelas primeiras sufragistas inglesas. Elas, entretanto, continuaram pouco ousadas, porque eram intimidadas pela imprensa e até pelos púlpitos, onde se alegava que “a mulher era demasiadamente fraca para a pesada responsabilidade do voto”.
Essas acusações eram assacadas contra as mesmas mulheres que diariamente realizavam um trabalho alienante nas fábricas durante doze horas seguidas e ainda tinham sobre si os encargos domésticos.
Após a primeira Guerra Mundial foi mais notório o concurso da mulher, pois os homens iam para os campos de batalha e elas assumiam agora, funções outrora exercidas exclusivamente pelos homens.
A contribuição da mulher no processo de recuperação do pós-guerra foi de tal dimensão que, pouco a pouco o seu valor foi sendo publicamente reconhecido, devendo-se isso mais aos seus méritos do que à liberalidade dos dirigentes.
Assim, a história registra a luta pela conquista dos direitos da mulher como um processo longo e até desumano, mas triunfante graças à persistência e ao empenho de gerações incontáveis de mulheres que contribuíram de forma exponencial para a construção de um mundo melhor.
Quanto ao voto, coube à Nova Zelândia conceder esse direito às mulheres, numa atitude precursora e inédita, em 1893.
Em 1906 – seguiu-se a Finlândia.
Em 1913 – Noruega.
Em 1915 – Dinamarca.
Em 1917 – URSS e Países Baixos.
1918 – Alemanha e Áustria.
1919 – Polônia, Suécia e Checoslováquia
Em 1920 – Estados Unidos da América
1928 – Inglaterra.
1930 – África do Sul
1931 - Portugal e Espanha.
1934 - Finalmente o Brasil e também a Turquia.
1940 - Canadá
1944 - França
1945 – Itália, Japão e Hungria
1946 – Albânia, Iuguslávia e Romênia.
1947 – Bulgária e China
1948 - Bélgica e Israel.
1955 - México
1959 - Marrocos, Tunísia e Chipre.
1964 - Iraque e Malta
1971 - Suiça
1974 – Jordânia.
Este é o quadro que se delineia bastante injusto e até aviltante, porquanto se negava direito à mulher de escolher os seus governantes, enquanto era obrigada a trabalhos pesados, com salário miserável.
Mas parece que ainda há quem discrimine e não aceite a mulher na política. Infelizmente, apesar da afirmação positiva da mulher e de sua participação decisiva na vida nacional, ocupando cargos dos mais variados, até no âmbito das Forças Armadas e no Congresso Nacional, já ouvimos comentários desairosos quanto à real capacidade da mulher. Será que essas pessoas estão sintonizadas com a realidade ou ainda continuam alienadas ao nebuloso passado de escravidão, aos tempos sombrios e obscuros da Idade Média?
Por que não se dar à mulher condições para afirmar-se, para desenvolver todo o potencial de sua personalidade, a buscar solução aos problemas sociais que a todos nós envolve?
Será que a mulher tem apenas de ter filhos, trabalhar como escrava e apesar de sua competência, ter de recolher-se envergonhada por ter trabalhado tanto ou deve vir à luz do sol receber nossos aplausos e nosso reconhecimento por tantos anos de incompreensão que lhe devemos?
A Inglaterra – uma das maiores nações do mundo – é governada por duas mulheres: a Rainha e a Primeira-Ministra. Por que então São Luís não pode ser administrada por uma mulher? Eu digo que sim, que pode e que será muito em breve.
É justamente nos momentos de crise que as lideranças natas se exaltam. Surgem tão rapidamente e fixam-se no coração do povo com uma força formidável que nada lhes arrancará, nem mesmo as campanhas difamatórias, porque nascem e se firmam no campo fértil da confiança e da certeza de dias melhores.
Vivemos numa cidade que necessita de obras estruturais e infra estruturais, prioritárias, de ação saneadora em todas as áreas. A população clama desesperadamente pelo poder público já desesperançada pelo descaso sofrido e se prepara para uma demonstração sobeja de sua força e de sua maturidade nas eleições de 15 de novembro próximo.
E é justamente agora, quando esta capital completa seus 373 anos de fundação que terá o seu povo a oportunidade feliz de redimir a odienta discriminação, elegendo D. Gardênia à Prefeitura de São Luís e assegurando uma era de governo sério, competente, saneador, humano e profícuo, transformando esta memorável campanha no grito de liberdade da Ilha Rebelde.
E, não será essa meia dúzia de homens que conseguirá barrar-lhe o caminho ao Palácio La Ravardière. Não pela nossa própria força, mas pela vontade da grande maioria dos eleitores e eleitoras desta cidade que sufragará o nome de D. Gardênia Gonçalves como Prefeita.
(Discurso proferido no plenário da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, em 18 de setembro de 1985)